Já presenciei dezenas de discussões por email que chegaram às vias de fato digitais (block no twitter, black-list no email, etc.) e que seriam interpretadas de outra forma se ocorressem ao vivo. O computador, assim como o papel das cartas, aceita tudo e não questiona seu tom. Um “não” inocente e até amigável pode soar zombeteiro e agressivo dependendo do receptor da mensagem. O que digitamos no whatsapp não carrega o tom de voz do nosso pensamento. E nem sempre adianta enviar coraçãozinho depois…
Em Doze Anos de Escravidão, Patsey (a vencedora do Oscar Lupita Nyong’o, lindíssima) não envia carta alguma, mas pede em inglês claro que Solomon (vivido por Chiwetel Ejiofor e que passa toda história querendo justamente enviar uma mensagem) a mate, por piedade. A personagem é vítima de todo tipo de abuso e violência do filme. A resposta do protagonista é um julgamento: Solomon entende que a personagem quer fugir às custas de sua alma imortal, eternamente punida pelo pecado supremo do assassinato. A penúltima cena dos dois traz a vítima como vítima e Solomon como algoz. Os dois são reféns da interpretação de textos bíblicos sobre a piedade. Afinal, matar alguém pode ser um ato de compaixão?
O filme é absolutamente fiel ao livro-homônimo com algumas exceções como, curiosamente, essa cena. Os produtores interpretaram errado uma passagem de texto em que Mrs. Epp, esposa do dono da fazendo, solicita ao escravo que assassine Patsey. Séculos depois, Solomon Nothup ainda foi vítima das limitações da interpretação de texto. E nem podemos enviar um email pedindo desculpas. Ou um emoticon fofinho.