Certeza. Tinha certeza que o dia ia acabar bem após as filmagens da novela à tarde. Tudo acabou quando sua mãe jogou água no seu rosto o fazendo perceber que misteriosamente era criança de novo. Não tinha seu apartamento, seu despertador e, felizmente, aquela modelo esquisitona da noite passada.
– Marcos, levante já! Você vai se atrasar para o comercial…
Comerciais. De novo ele estava filmando comerciais! Como odiava aquele aspecto da profissão de ator que seguia desde cedo e nem pensava em desistir por pura falta de saber o que fazer. Mamãe não deixava. Lembrava com raiva das troças que levava dos colegas na escola sempre repetindo seu bordão ou seu gesto de forma ridícula. Zombavam e insistiam naquele comentário: “até eu sei fazer isso! Sou melhor que você!”
Sem tempo para entender o que houve obedeceu a mãe. Pensou em argumentar, mas afinal: mamãe não deixa. Pensou nos coleguinhas zombeteiros e em que diabos teria acontecido. Enfim, estava atrasado!
O caminho para o estúdio foi acompanhado do bom e velho café da manhã no carro. Seu corpo de menino parecia acostumado a digerir o croissant entre os buracos e lombadas da estrada. As mãos ágeis não permitiam que o suco de laranja manchasse a camisa. Mamãe não deixa.
Quando chegou no estúdio e viu o cenário teve um pressentimento estranho. Era aquele comercial de cereais! Não que fosse um marco em sua vida profissional ou que representasse algo para o futuro galã de novela. Mas foi naquele cenário que se apaixonou pela primeira vez.
A paixão era platônica. Mariazinha nunca ouviu seu pedido de namoro ou sua Ode A Menina do Cereal. Mamãe não deixa.
– Anda menino! Se aprume! Hora de trabalhar! Você acha que vai ser alguém na vida olhando arregalado pros cantos? Endireira a coluna! Ande direito! Altivez! Altivez, menino!
A equipe de filmagem preparava o cenário e, um segundo antes de acontecer, ele lembrou mais um detalhe daquele dia. Um dos spots entrou em curto ao ser ligado e sua mãe desmaiou com o susto. Quando ocorreu da primeira vez, ficara paralizado de medo. Mas agora tinha dez anos no corpo, mas quase o triplo de memórias. Era ali e agora. Não tinha outra chance. Mamãe não deixaria…
– Oi.
– Oi, eu sou a Mariazinha.
– Eu sei.
– Claro! Você é o menino da escova de dentes! Nossa, você está diferente!
– É que passam muito pó de arroz em mim.
– Ah…
– Olha…Você quer namorar comigo?
– Claro!
– Puxa…
– Puxa…
– Me dá um beijo?
– Não posso.
– Ué…
– Papai não deixa.
Descobriu ali que nunca quis ser ator de verdade. Talvez houvesse, de fato, tempo para estudar canto lírico. A opera lhe aguardava…