“Ajoelhou, tem que rezar” – dizia aquele que chamavam de “O Mestre” enquanto empurrava sua cabeça em direção ao seu sexo. Ela hesitava lhe dar prazer pelo asco da situação testemunhada pelas criaturas restantes que aguardavam sua vez. “Não adianta reclamar de cansaço” avisara de manhã o que espirrava enquanto limpava o catarro com a manga suja pelo trabalho nas minas.

O povo costuma dizer que a realeza tem vida fácil. A sua foi repleta de mais trabalhos e humilhações que a maioria dos escravos. Escapou da morte pela piedade inexplicável de um caçador apenas para cair em uma floresta onde não sabia como sobreviver. Os sete lhe ofereceram ajuda.

Ela devia saber. Devia saber quando viu o mais sisudo alisar a barba e esboçar um sorriso. Na ocasião, até mesmo o mais tímido não conteve sua excitação e o sonado nunca esteve tão desperto. Era hóspede e prisioneira de seus anfitriões e carcereiros. Era sua escrava, seu objeto e sua empregada.

Trabalhava exaustivamente durante o dia e sofria abusos pela noite. Às vezes permitiam que os estupros acabassem no segundo ou terceiro, mas geralmente tinha que se deitar com cada um enquanto os outros viam. Apenas um não participava. Era o único que não falava também. E ouvia toda sorte de ofensas e ironias de seus companheiros por se omitir das maldades.

Se aquilo era possível, Branca via nele um amigo. O único que não lhe feria a alma.

Não compreendeu quando ele próprio mandou que fosse atender aos desejos dos companheiros enquanto faria o jantar. Ela sabia que caprichar na comida era uma das poucas desculpas aceitáveis para diminuir seu sofrimento. Naquela noite os estupros duraram mais. Dormiu com fome e esgotada. Talvez morrer fosse uma saída.

E era. Mas não como pensava. Na manhã seguinte, não foi acordada por mocas ou pontapés. Acordou descansada, ainda que com dores. Todos os seis ainda dormiam, apenas Dunga estava de pé e com uma imensa mala pronta. Andou por entre as pequenas camas. Os olhos abertos, esbugalhados e a pele esbranquiçada. Envenenados.

Deveria pular de alegrias e fugir, mas chorou. Pensou na rainha, nos perigos do mundo lá fora e em como tudo poderia piorar. Os estupros pareciam tormentos aceitáveis e o trabalho estafante um paraíso pela sobrevivência. Sua psique jamais seria a mesma.

Foi o anão remanescente que a tranquilizou. Enxugou suas lágrimas e sorriu enquanto juntava as camas e mostrava que agora ela não precisaria dormir no chão.

Ela se apaixonou pela sua gentileza, tão inédita em sua vida. Ele tinha a mãe que sentia falta. Depositaram um no outro as histórias que não viveram e jamais sentiram solidão novamente. Foi o bastante.

escrito por tcordeiro
Meu nome é Tiago Cordeiro e trabalho com conteúdo (textos, roteiro, ficção e não ficção) e digital. Atualmente, sou roteirista e sócio da Scriptograma.

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