* Saiba mais sobre o que me inspirou a este texto aqui.

 

No início tudo era escuro e reinavam apenas as criaturas sombrias, que enxergavam na escuridão. Apesar disso, todos andavam apenas para frente.

Não era possível saber a verdade pelo olhar, gestos ou feições. As sombras não conversavam entre si enquanto cabia aos homens se comunicar por toques e por sons quase indistinguíveis. As trevas eram formadas pela vista que cada um podia ter da realidade.

Todos eram iguais, mas ninguém tinha nada.

Mesmo sem nada dizer, todas as tribos compreendiam o que eram as sombras, quando estavam furiosas e que deveriam ser respeitadas. Assim como a água e o ciclone, as únicas coisas que conhecemos e que também existiam naquele mundo e no nosso. Mas o ciclone só existia para ferir o homem e a água apenas para afoga-lo.

Tudo era um reflexo do submundo: sombrio, lançado na escuridão, que existia em todo lugar. Apesar disso, todos andavam sempre para frente.

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E foi assim, andando para frente, que a tribo encontrou algo que não era a escuridão e que feria seus olhos. Todos andaram em direção àquilo.

Então as águas tornaram-se revoltas em um mar-de-sombras e criaram grandes ondas para impedir que os homens voltassem. Mas já naquele tempo, cada membro da tribo sabia que nunca poderia deixar de olhar para trás. Cada um andava sempre para frente. Então, todos nadaram rumo ao ponto que feria sua vista. Rumo à luz.

Ao deixarem a água para trás perceberam que o ponto não estava apenas na frente, mas em cima. Inalcançável.
Nesse momento, o ciclone soprou toda sua fúria nos homens. Muitas crianças se perderam para sempre e cada mulher se agarrou em seu marido. Algumas jovens demais para terem um também foram agarradas pelo ciclone e caíram nas profundezas do mar de sombras para trás.

As tribos se reuniram abaixo da montanha mais alta que encontraram entre o-que-estava-acima, o mar-de-sombras e a escuridão. O ciclone zombava de sua jornada e ameaçava os que queriam continuar. Muitos queriam parar, mas outros lembraram que sempre andavam para frente.

Sem conseguirem chegar a um consenso que agradava a todos uma mulher lembrou que não eram apenas eles que moravam ali e chamaram todos os animais que conviviam com os homens e os seguiam naquele caminho. A maioria desejava seguir em frente. Mas a Coruja, o Leão-da-Montanha e o Urso votaram contra.

Muitos pensaram em dividir os grupos, mas o mais velho da tribo lembrou que os homens sempre andavam para frente. E se um quebrasse isso por vontade própria, todos sofreriam as consequências. Essas palavras diminuíram as divergências, mas ainda havia homens que desejavam voltar e o trio de animais que concordava com eles.

Para decidir, os homens decidiram uma disputa pela qual todos deveriam aceitar a vitória do vencedor. O jogo se chamava botão-pela-fresta. Consistia em jogar um pequeno botão ao alto e encontra-lo. A cada vitória, o grupo caminharia na direção que o vencedor desejasse.

O urso arremessou o botão pela primeira vez e o jogou nas profundezas do mar. Mas um jovem membro forte da tribo mergulhou com uma longa linha de pescar amarrada ao tornozelo e prendeu a respiração. Ele nadou, nadou até encontrar o botão com a palma da mão. Então deu um puxão na linha para que o puxassem de volta, mas não resistiu até chegar à superfície e morreu antes de chegar na superfície. Em sua mão estava o botão e os homens subiram a montanha mesmo com o sopro forte do ciclone. O urso seguiu em frente.

Na segunda rodada, a coruja voou para arremessar o botão o mais alto possível, mas ao se aproximar daquilo que viriam a chamar de luz, deixou o objeto cair e rapidamente os homens acharam. A coruja seguiu em frente e subiu a montanha com os homens.

O Leão pegou o botão e escondeu embaixo de sua pata. Mas os homens, que o cercavam, saíram de sua frente e permitiram que a claridade que já era mais forte atingisse o animal diretamente. Atordoado pela luz, o Leão usou uma pata para cobrir a vista e as outras para recuar e os homens encontraram o botão. E o Leão da montanha seguiu em frente e subiu a montanha com os homens.

No quarto e último arremesso, um menino jogou o botão para cima e com a claridade foi fácil para os homens encontrarem antes da coruja, que só enxergava bem entre as sombras. Agora, todos deveriam seguir em frente. Mesmo que não concordassem.

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E todos seguiram em frente, como um só, em direção à luz. Para nascerem no Novo Mundo. Mas ao saírem daquele buraco, cada tribo migrou para uma direção embora sempre em frente. Contudo uma passou a andar em círculos ao redor de onde haviam saído. Só então ouviram a voz do criador, o homem-que-vive-acima que lhe perguntou onde queriam morar.

E toda tribo respondeu: “no meio. No centro do mundo”, usando pela primeira vez a sua língua. E foi assim que os Jicarilla escolheram a sua morada, no centro da criação.

Para que nada mais saísse do buraco, o homem-que-vive-acima colocou uma enorme pedra que cada Jicarilla deveria guardar. E assim, o submundo nunca mais viu a luz. E nem a luz voltou a ver o submundo. Porque uma montanha separa os dois.

Mas as trevas ainda estão lá. Assim como tudo o que o homem deixou para trás. E é por isso que cada um deve sempre andar para frente. Para que o que está nas trevas não volte a atormentar a humanidade.

escrito por tcordeiro
Meu nome é Tiago Cordeiro e trabalho com conteúdo (textos, roteiro, ficção e não ficção) e digital. Atualmente, sou roteirista e sócio da Scriptograma.

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