Sua costura era ágil e precisa, como a cirurgia de um médico brilhante. O “bordado de Lívia” era uma lenda no bairro, capaz de reproduzir rostos, animais e obras primas. O retrato da família Montenegro se tornou uma colcha delicada, incapaz de ser usada como cobertor por qualquer pessoa com um mínimo de gosto artístico: era para emoldurar em um museu. O velho porteiro do maior prédio da rua pediu uma imagem do velho cachorro, que reproduzia até os detalhes dos olhos profundos do melhor amigo daquele velho homem.
Ocorre que sendo a costura uma coisa pouco mencionada na França, o valor de sua arte era sempre inferior aos seu salário como secretária. Sem mecenas que admirasse o bordado, a paixão se esvaiu no corre-e-corre do dia à dia e nas obrigações sociais consigo mesma. A procrastinação, em anos, matou seu hábito de todo dia pegar um fio e linha.
Houve o dia que, depois de insistirem muito, Lívia voltou a costurar, com o compromisso público de não ser para mais ninguém. Dessa vez, nada de reproduções absurdamente realistas. Construía bordados simples, como qualquer feira tem. O desinteresse por seu trabalho aumentou na mesma medida em que ela voltou a bordar todos os dias, como se a costura fosse o ato de suar no calor. Bordados simplérrimos, assim como sua própria felicidade.
Foto acima de Aimee Ray