Adeus às Armas, de Ernest Hemingway, é quase uma comédia romântica. Porém, com corpos, membros amputados por explosões e mortes e um final nada feliz. Se Tempestade de Aço usa os fatos como ação dramática de forma quase documental, Adeus Às Armas traz o lirismo, o sentimento dos personagens, como essa ação.

Assim como o protagonista do livro, Hemingway foi pra guerra e se apaixonou por uma enfermeira. Ele a pediu em casamento e ela recusou depois de aceitar. Por carta.

No livro, tudo é diferente. Spoilers: a enfermeira morre levando o filho do casal.

Pesquisando sobre Hemingway descobri que seu biógrafo acreditava que a rejeição desse primeiro amor lhe fez se divorciar de todas as suas esposas seguintes para evitar ser abandonado novamente. É meio bizarro, mas faz sentido. Lembro de um diálogo que explica algo parecido sobre… O Batman nas histórias em quadrinhos (em inglês).

Hemingway casou quase o mesmo número de vezes que foi a guerras. Parecia que o ethos dos homens de sua geração era estar em uma ou você não era homem. Como houve caras que chegaram a ter mais de 60 com isso e os hábitos de fumo e bebida é um mistério. Há gente melhor que eu que fala de um momento do que se chama de emasculação masculina (o termo não é meu): homens viram as mulheres questionarem seu papel na sociedade e, obviamente, isso os forçava a reavaliarem os seus.

Meninos nunca lidam bem com isso. E no meio de tudo isso estava um homem com um talento quase masculino de escrita: rude, objetivo e direto. Ao mesmo tempo, Hemingway era sensível demais para ignorar como nada de bom vinha da guerra.

Agnes, primeiro amor de Hemingway, terminou com ele por carta explicando que ficara noiva de um oficial italiano. O “toco” fora a grande tragédia da vida de Ernest, segundo biógrafo e irmão. Curiosamente, a própria Agnes não se deu muito bem. O tal noivado não prosperou e ela casou mais uma vez terminando a vida como viúva e diretora de um hospital no Haiti.

Os dois nunca mais se encontraram neste período tendo ele morrido em 1961 e ela em 1984.

Será que ele a esperou do outro lado? E será que adiantaria?

Agnes conheceu Ernest enquanto enfermeira da cruz vermelha tratando de um motorista de ambulância acidentado. As circunstâncias tornam impossível não pensar o quanto um escritor vulnerável se apaixonou por uma cuidadora sete anos mais velha e que, segundo um site do autor, era alvo de flertes constantes no hospital da guerra. Em “Adeus às armas”, onze anos depois do encontro dos dois, ele escreve: ” pense numa ruiva que lhe faça se apaixonar”.

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Acabei Adeus Às Armas e o final era muito diferente do que esperava. A comédia romântica com bombas vira uma tragédia terrível, mas estranhamente o livro já havia me fisgado e já havia formado meu juízo ao seu respeito. Por outro lado, fico pensando como a história de Hemingway e Agnes lhe afetou no ponto em que ele não quis ser feliz com ela nem mesmo na ficção. Ou será que ele achou que era um final  melhor?

Quem escreve faz essas merdas mesmo. A gente não pode chorar e berrar com a pessoa amada que se vai e persegui-la e mata-la nos transformaria em psicopatas e escritor é vaidoso demais pra isso. Então a solução é fazer da pessoa amada um personagem e lhe dar um destino horrível. De preferencia com você como outro personagem chorando porém sem ser rejeitado. No fim, o machão do Hemingway era melodramático demais.

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Tem gente mais qualificada do que eu para falar sobre a Guerra da Ucrânia, mas quem quiser saber o que penso, escrevi na minha página no Facebook.

escrito por tcordeiro
Meu nome é Tiago Cordeiro e trabalho com conteúdo (textos, roteiro, ficção e não ficção) e digital. Atualmente, sou roteirista e sócio da Scriptograma.

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