Levantou-se sentindo o peso de toda luz do mundo em sua testa. Tinha cheiro forte de peixe vindo da sua janela, uma maresia diretamente do teto de zinco quente da sua cabeça. Deitou na cama e seus ombros sentiram sua tristeza hormonal. Tinha sede mas o paladar não pedia nada inodoro, insípido e incolor.
Pedia chocolate e ela sabia bem. Chocolate ao leite. Bem doce.
Se pôs de pé e caminhou até o banheiro. Sentia os pés inchados de tensão pré-menstrual e as coxas em um misto de acordar e voltar a dormir. Lavou o rosto e se olhou no espelho. Não havia face mais inchada em todos os momentos que se contemplou na vida. Na sua frente seus óculos escuros favoritos. Colocou para esconder os olhos da luminosidade-faca e ensaiou um sorriso. Cena 1, cena 2 e cena 3.
Deu-se por satisfeita com o que foi possível na cena 4 ou não sairia nunca dali.
Na varanda conseguiu finalmente contemplar o sol. Era um dia lindo e ela ainda achava a vida uma merda. “Estou borocoxô”, pensou e, ao mesmo tempo, se censurou por não imaginar um adjetivo mais feminino. “Triste? Desanimada? Deprê?” Falou para si mesma que “não estava a fim” mas achou que faltou algo. Foi então que mirou o sol com a proteção nos seus olhos e repetiu:
– Não estou afim.
Entrou novamente e se deitou na cama. No caminho, um chocolate ao leite. Bem doce.