Desde bebê era fascinado pelo pai que escrevia. Não lia, mas ver o ato de escrever era algo que lhe atraía e intrigava. Paralisava seus choros e o deixava quieto a tal ponto que a mãe esquecia da hora de lhe alimentar. Em uma dessas ocasiões, ela acordou de sono pesado com seu choro. Estava no escritório do pai, a cara suja de tinta de caneta e algo rabiscado numa folha de papel lembrava o nome Jota. Era sua primeira palavra. Havia algo de errado com aquele bebê.
Cresceu. Virou uma criança faminta. Comia de tudo e lia também. Uma bula de remédio era mais divertida que a TV. Não trocava gibis por nenhum game ou acesso a internet. Fazia todas essas coisas, mas de repente abandonava para ler alguma coisa. Se tornou recluso. Era difícil fazer amigos quando abandonava qualquer pique para folhear algo que havia deixado pela metade.
Precisava encontrar uma história que não sabia qual era.
Os pais tinham dificuldade de lhe dar limites. Afinal, quem não tem orgulho de um filho que lê tanto? Mas o fato é que o hábito preocupava. A obsessão com a leitura chegava ao ponto de lhe adiar o sono, afastar as amizades e o convívio com outros da mesma idade. Sempre insistia buscando algo ao ler.
Psiquiatras descartaram problemas e psicólogos falaram apenas em uma timidez comum. Os pais pararam de se preocupar, mas o menino não.
Continuava a ler procurando algo que estava preso a ele. Sem saber, aquele “Jota” mal rabiscado escrito na sua infância e que lhe manchou de tinta criou algum tipo de magia poderosa. Uma história que nunca acabou e crescia dentro dele. Achava que a solução não estava em seu interior, mas em alguma outra página onde o tal de Jota poderia continuar sua jornada. Buscava sempre um livro que servisse de janela para aquele personagem sair de sua alma.
Houve o dia em que esgotou todos os livros de sua casa. Não havia lista telefônica que atendesse sua ânsia e se encontrou sozinho. Os pais saíram e não havia mais histórias para buscar. Sentia Jota em cada um dos poucos pelos que tinha, debaixo de sua roupa e circulando em suas veias. Jota estava ali, crescendo ao ponto que o tomaria e os dois seriam um só. Não tinha muito tempo.
Desesperado pegou uma caneta e chegou a imaginar uma operação em que extirparia Jota sozinho. Desistiu com a dor de um pontinho vermelho no braço. Não conseguiria. Ao notar a pele manchada da caneta teve um flashback de como tudo começou. Pegou uma folha de papel e rabiscou um conto.
O título e a primeira palavra eram o mesmo nome: Jota. Descrevia como a letra maiúscula “j” parecia um homem grande e de braços abertos, como quem pede um abraço. Alguém extrovertido e amigável com um nome de pronúncia aberta. Um amigão.
Era uma história sobre alguém quase tão insignificante que era conhecido por uma letra de alfabeto. Mas só ele sabia o tamanho desse algo ou alguém. A história cresceu e finalmente saiu dele. Finalmente estava livre.
Fez dezenas de amigos, leu bem menos histórias do que viveu e teve finalmente a sensação que era protagonista dos seus dias. As histórias dentro dele eram todas suas. Mas sabia que não estava mais sozinho e guardou aquele texto consigo por toda vida. Porque Jota era um amigo eterno e sabia que tinha que respeitar cada palavra e cada letra.