Era um problema feito de palavras, tão sólidas quanto areia e água. Quanto mais pensava naquilo, mais era cercado por nomes, verbos, substantivos e até adjetivos referentes que o consumiam aos poucos. Cada passo era mais uma etapa rumo à sua morte por sufocamento. O chão esboroava em um poço léxico sem que distinguisse um significado claro. Era um estrangeiro tolhido pelo seu próprio idioma.
Se desesperou a cada centímetro que afundava e não esquecia seu medo. Tentou lembrar de coisas boas, como se fadas existissem. Não conseguiu. A areia léxica era mais forte que sua mente e o vencia tomando cada sinapse por tudo o que turvava sua visão.
Silenciosamente fechou os olhos. Pensou em imagens. O terno do apresentador do telejornal, a maquiagem da atriz da novela das 7 e a voz veludosa do locutor que berrava gol aos domingos. Sentiu as palavras se desvanescerem enquanto subia rumo à superfície. O apresentador de reality show, o concurso de musas e a reportagem sobre o candidato a prefeito. O problema ainda era o mesmo, mas as palavras haviam mudado. Já respirava. Calmamente foi abrindo os olhos. O chão era só concreto novamente.